Acabada de sair da universidade, a Raquel transbordava entusiasmo, mal podendo esperar por entrar no mercado de trabalho. Por ter sido excelente aluna, depressa conseguiu lugar numa das melhores empresas do país.
Desejosa por mostrar o seu valor, cumpria todo o serviço com imensa rapidez e perfeição. Ajudava os colegas sempre que podia, oferecia-se para fazer horas extraordinárias e nunca faltava ou chegava atrasada. Assim, depressa se tornou querida por todos.
A chefe, sabendo que tinha finalmente uma funcionária com a qual podia contar, foi delegando na Raquel todo o tipo de empreitadas. Contente com o voto de confiança, a rapariga esforçava-se como ninguém e tudo fazia para não desapontar. Até que o trabalho começou a chegar em demasia, sendo humanamente impossível de cumprir.
"Ainda não fez o que lhe mandei? Porquê?"; "Isto já devia estar pronto há uma semana"; "Eu não lhe disse que era urgente"?.
E enquanto a Raquel, afogada em tarefas, quase tinha um esgotamento, vários colegas passeavam pelo escritório, comentando a actualidade, o último derby ou queimando horas ao telefone com a família.
Cinco anos depois, a Raquel estava profundamente envelhecida. O cansaço era tal que a eficiência de outros tempos havia há muito desaparecido. Um dia, porque o stress do trabalho andava a afectar-lhe o sono, pediu para sair mais cedo, coisa que nunca acontecera. Mas era o seu dia de estar no atendimento ao público e por isso tinha de ser substituída. "Fale com os seus colegas", cuspiu a chefe. E as respostas não tardaram: "Não posso, tenho um papel para fazer"; "A Dra. Ana não me quer no atendimento"; "Estou doente"; "Também vou sair mais cedo"; "Não me pagam para isto"; "Tenho muito trabalho".
Sem ninguém para substituí-la, não teve outra hipótese senão dirigir-se ao balcão.
Mas a Raquel, já não era a Raquel. E quando alguém lhe perguntou a que horas encerravam, ficou a contemplar o vazio. A pergunta ouviu-se de novo, mas o fenómeno já estava em curso. Uma força desconhecida começou a sugar a Raquel cirurgicamente na zona do coração, um buraco negro que se abria e crescia, engolindo primeiro a rapariga e depois a loja com os respectivos clientes, alastrando ainda a todo o edifício. Quando parecia que iria devorar tudo à sua volta, o acontecimento cessou, ficando circunscrito ao local onde antes se encontrava a empresa.
As autoridades registaram a ocorrência e a zona foi invadida por astrónomos, matemáticos e toda a espécie de curiosos. Mais tarde, devidamente estudado e catalogado, depressa deixou de ser novidade. Colocaram-se então protecções nos seus limites, e passou este poço sem fundo a ser local de peregrinação de homens e mulheres zangados com os seus amores, que largavam no abismo fotografias, anéis e qualquer outro objecto que guardasse as memórias que queriam esquecer.
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